O ambiente organizacional

O Ambiente Organizacional e a Responsabilidade Social
Reinaldo Dias

Neste capítulo, vemos as tendências e influências às quais estão submetidas as atuais organizações, fruto do aumento do processo de globalização e do incremento da tecnologia, entre outros fatores que contribuem para que os processos internos da organização devam se adaptar a novas situações. Diferentes fatores ambientais externos às organizações têm provocado mudanças em algumas características das estruturas tradicionais, tornando-as menos operacionais, forçando a necessidade de mudanças para que se adaptem às novas situações.
Além dos contextos mais gerais, estudamos o ambiente mais próximo e externo às organizações, específico ou operacional, onde se encontram indivíduos, grupos e organizações diretamente interessados, aos quais se denomina de stakeholders.
Vemos, ainda, que cada vez mais as organizações estão deixando de considerar que o seu único objetivo seja buscar a maximização do benefício ou a criação de valor para os seus acionistas. Vem ganhando força a concepção de que nenhuma organização econômica no contexto atual, e qualquer que seja sua natureza, pode ficar indiferente diante do contexto social e natural em que desenvolve suas atividades.
O ambiente externo demanda das organizações um maior compromisso com o ambiente em que operam, procurando melhorá-lo. Esta é uma condição que a torna cada vez mais uma necessidade e um requisito indispensável, a médio e longo prazo, para manter-se em condições de competir num mercado cada vez mais competitivo e exigente.
Para as organizações, principalmente as econômicas, isto se traduz no fato: a que, embora a responsabilidade inicial da empresa seja de criar riqueza para todos os participantes em sua gestão, também deve contribuir para a melhoria das condições de vida das comunidades onde atua. Ocorre que, cada vez mais, responder às demandas sociais está se tornando uma vantagem competitiva e fonte de criação de valor para os indivíduos e organizações que estão de algum modo relacionados com a empresa. A responsabilidade social, assim, torna-se, cada vez mais, um fator de competitividade e condição a médio e longo prazo para que uma organização permaneça no mercado.

12.1 O ambiente organizacional

Embora variáveis ambientais estejam presentes nos trabalhos da escola clássica e das relações humanas, estas não lhes deram a devida atenção. Na realidade, o ambiente organizacional passou a se constituir em um componente fundamental na análise organizacional a partir das abordagens da teoria contingencial, como vimos no Capítulo 5. Vários autores, entre os quais Burns e Stalker (1961), Lawrence e Lorsch (1973), Perrow (1967) e Thompson (1967), contribuíram com a análise de diversas variáveis ambientais.
Na medida em que se constitui, uma organização se estrutura configurando o seu ambiente. Este é um dado importante, pois o ambiente organizacional não é preexistente à organização. A organização, ao se construir; também constrói o seu ambiente. E em função da estruturação da organização que se estrutura o seu ambiente externo, porque a organização provoca mudança no ambiente ao seu redor; e porque se considera ambiente organizacional aquilo que é significativo para a organização. Ou, dito de outro modo, o ambiente organizacional está relacionado com uma organização em particular.
Podemos considerar como ambiente organizacional os vários aspectos da realidade social e natural que, de um modo ou de outro, podem afetar a organização e podem ser afetados por ela. Entre esses se destacam as questões econômicas, ecológicas, tecnológicas, culturais, políticas, legais, climáticas, entre outras.[1]
O ambiente organizacional corresponde àqueles fatores externos sobre os quais a empresa pode não ter influência direta, embora possa ser afetada por algum deles. Podemos diferenciar um macroambiente organizacional (geral) e um microambiente organizacional (específico ou operacional) para facilitar a análise (Figura 12.1). Do ambiente geral fazem parte todos aqueles fatores sobre os quais a organização tem pouca ou nenhuma influência direta. No ambiente específico, podemos incluir todos aqueles setores relacionados diretamente com a atividade da organização, e onde as decisões da empresa exercem maior efeito; de acordo com Richard Daft, “o ambiente operacional inclui os setores que têm uma relação direta de trabalho com a organização: clientes, concorrentes, fornecedores e mercado de trabalho”.[2]





12.2 O ambiente organizacional geral

Também denominado de macroambiente organizacional, é constituído por aqueles fatores sobre os quais a organização não tem influência direta, O ambiente geral da organização é formado por ambientes que apresentam sua especificidade e que, no entanto, estão de alguma forma relacionados entre si. Entre eles podemos citar os ambientes político, econômico, jurídico, cultural, tecnológico, climático, internacional etc.

O ambiente político

Neste contexto, as organizações podem exercer pressões quando se agrupam formando grupos de pressão ou através de suas associações. Mudanças de governo, crises políticas, governabilidade entre outros aspectos, afetam as organizações.

O ambiente econômico

As decisões que são tomadas neste aspecto afetam quase todas as organizações. A situação econômica mundial ou nacional pode apresentar fatores de instabilidade importantes, como as taxas de inflação, a estabilidade monetária, o poder aquisitivo da população, índice de desemprego, crescimento do PIB, níveis de investimentos, entre outros, que podem se constituir em graves problemas para a sobrevivência das organizações, principalmente as econômicas.

O ambiente jurídico (ou político-legal)
Trata-se de aspecto institucional-legal, ou seja, as regras que controlam as atividades das organizações. A legislação atinge a organização nos seus produtos e serviços, trabalhadores, processos internos e externos, clientes e a sociedade de modo geral. A legislação pode incrementar as atividades da organização ou pode restringi-las. Aqui se incluem as normas ambientais, sociais e sanitárias, entre outras.

O ambiente sociocultural

Aqui, encontram-se os valores, os hábitos e costumes da sociedade em que está imersa a organização e que afetam a sua própria cultura organizacional, seu padrão de relacionamento com a sociedade e a elaboração de seus produtos e serviços. Mudanças comportamentais, de valores, princípios, filosofias e costumes ocorrem devido a fatores culturais e sociais em localidades, regiões e num país. A conduta da população num determinado território pode se alterar em relação aos produtos e serviços oferecidos ou até mesmo aos processos utilizados pelas organizações, variando do acolhimento à rejeição, por exemplo.

Ambiente tecnológico

Os avanços tecnológicos e do conhecimento de um modo geral afetam substancialmente as organizações, em particular aqueles que estão relacionados com os seus objetivos de algum modo. As tecnologias de informação e comunicação influenciam os processos internos da maioria das organizações, e as empresas em particular devem se atualizar continuamente para manter a competitividade. O desenvolvimento das tecnologias de informação está tornando o conhecimento o principal recurso das organizações e sua principal fonte de vantagens competitivas. A utilização do conhecimento como embrião do processo de inovação constante é um elemento chave nas sociedades atuais, devido à necessidade de dar respostas rápidas e adaptadas a um mercado cada vez mais competitivo e a clientes exigentes.

O ambiente internacional

Qualquer organização se vê afetada hoje pela situação do mundo como um todo. O processo de globalização tornou próximos fenômenos que antes nem seriam considerados como fatores de perturbação. Particularmente para as organizações que têm uma atuação internacional, o conhecimento das condições internacionais (políticas, normativas, culturais etc.) é fundamental.

O ambiente natural (ecológico)

Diz respeito ao meio ambiente natural e de como este pode afetar fortemente as organizações. As mudanças climáticas, as mudanças na camada de ozônio, o efeito estufa, a diminuição da biodiversidade são temas que estão presentes no cotidiano da maioria das organizações.
Embora as condições climáticas afetem a todas as organizações de um modo ou de outro, algumas dependem mais desse fator do que outras em virtude de sua atividade principal de algum modo estar vinculada. Por exemplo: organizações ligadas com o turismo e o setor agrícola e que são afetadas diretamente pelas condições climáticas; organizações públicas que têm que adotar medidas antecipadas de prevenção; organizações não governamentais cujo foco de trabalho envolva áreas abertas etc.

12.3 O ambiente organizacional operacional ou especifico

Também conhecido como microambiente organizacional, compreende o contexto mais próximo à organização. E o sistema de relações que se desenvolvem no tipo de atividade (no caso das empresas: negócios) no qual se envolve. Os principais vínculos que podem ser encontrados aqui são com os fornecedores, clientes, concorrentes, instituições governamentais, o mercado de um modo geral e a comunidade onde está localizada a organização. No seu conjunto, devem ser considerados todos stakeholders, que serão abordados neste mesmo capítulo em outro tópico. Tratando especificamente das organizações econômicas como exemplo, além daqueles assinalados, compreende as forças que determinam a competitividade da empresa ou do setor do qual participa, e que são: concorrentes existentes, concorrentes potenciais, eventuais substitutos dos bens e serviços produzidos, consumidores dos bens e serviços e fornecedores de matérias-primas e materiais para a produção de bens e serviços.



Concorrentes existentes: são as empresas rivais e que competem no mesmo mercado, que atuam no mesmo setor produtivo e que disputam os consumidores de determinados produtos ou serviços. A concorrência, de um modo geral, é sempre acirrada e a perspectiva da organização será sempre fidelizar o maior número de clientes possível.
Concorrentes potenciais: são as empresas que podem ingressar no mercado principal da organização.
Eventuais substitutos: são os bens que cumprem uma mesma função que aqueles produzidos na organização e que podem vir a substituí-los num futuro imprevisível. Por exemplo: as empresas que produzem pen drives trabalham com um produto que pode ser um eventual substituto dos CDs num futuro não muito distante. Esses mesmos pen drives vêm assumindo as mesmas funções dos discos rígidos nos computadores.
Consumidores: constituem um fator importante para determinar a concorrência em determinado setor. Variáveis importantes na análise das condições deste fator são: grau de concentração; poder de negociação; preço dos produtos; impacto da qualidade do produto no público-alvo; influência e poder da marca, entre outras. Deve-se considerar que as pessoas que adquirem os bens ou serviços de uma empresa constituem o público-alvo principal da ação organizacional. Elas são o motivo de existência da organização e desse modo influenciam todo o processo de produção de bens ou serviços que deve atendê-las.
Fornecedores: são aqueles que fornecem a matéria-prima, as máquinas e equipamentos, os recursos humanos, a tecnologia e o conhecimento adquirido na produção de bens e serviços que são produzidos pela organização. A falta de fornecimento de qualquer desses elementos citados pode afetar consideravelmente a capacidade competitiva da empresa, e pode acarretar a perda de clientes e mercado.
Entidades reguladoras: constituem os organismos que têm o poder de controlar; legislar ou influenciar o cotidiano das organizações. Entre as entidades reguladoras estão: organismos do governo que controlam as atividades no setor; grupos de interesse organizados em entidades que procuram defender ou proteger sua atividade; e organismos (como conselhos, ordens, associações etc.) que regulam o exercício profissional.
Parceiros estratégicos: são as organizações que se unem com outras para formar uma aliança com o objetivo de obter benefícios comuns, tais como maior cobertura do mercado, facilitação da comercialização de produtos (bens e serviços) e atuação publicitária.

12.4 O enfoque dos stakeholders e a responsabilidade social organizacional

No âmbito mais específico do ambiente organizacional, encontram-se as pessoas ou grupos que possuem algum interesse na relação com a organização ou que são fundamentais para o seu funcionamento. A esse conjunto de grupos de interesse convencionou-se chamar de stakeholders. Ele é constituído pelas pessoas ou organizações que apresentam necessidades conscientes ou inconscientes, que são explícitas ou implícitas, legítimas ou ilegítimas, e em função das quais interagem com a organização, influenciado-a e sendo influenciadas por ela. A organização se legitima socialmente na medida em que responde a determinadas necessidades dos stakeholders.





O enfoque dos stakeholders se consolidou nos anos 90 como a visão dominante na RSE. Diante dos enfoques tradicionais de gestão empresarial centrados sobre os interesses e expectativas dos acionistas, o enfoque dos stakeholders propõe uma visão da empresa muito mais complexa que a estabelecida pela teoria econômica neoclássica, atribuindo à direção a obrigação de administrar em função das necessidades, expectativas e interesses de todos os grupos e indivíduos afetados por suas atividades, entre os quais os acionistas, os empregados, os fornecedores e outros parceiros do negócio, os clientes e as comunidades nas quais se estabelecem as empresas.
Embora a principal função da empresa tenha sido historicamente a criação de valor para seus proprietários e, de forma geral, tenha se considerado o restante dos grupos e indivíduos envolvidos ou afetados pela atividade empresarial — o quadro de pessoal, os fornecedores, clientes e outros grupos — como “meios instrumentais” para alcançar os objetivos da organização, ou “como ameaças aos seus interesses” (QUINN e JONES, 1995, p. 23), o modelo de gestão baseado no enfoque dos stakeholders estabelece critérios de respeito e de equilíbrio entre todos os interesses que convergem na empresa. O núcleo desta nova visão da gestão é a verificação da crescente complexidade dos ambientes internos e externos nos quais se desenvolve a empresa. Em menos de 20 anos houve profundas transformações na organização da vida social. Mudanças associadas, em muitos casos, aos processos de globalização, à extraordinária aceleração das inovações tecnológicas e à difusão massiva das novas tecnologias de informação, cujas consequências nas possibilidades de acesso à informação e ao saber justificam plenamente a ideia de uma sociedade do conhecimento, na qual a autonomia dos indivíduos está avançando em um ritmo sem precedentes na história da humanidade.
Com o desenvolvimento da sociedade do conhecimento mudam os indivíduos, suas necessidades e expectativas, provocando a modificação radical de muitos dos pressupostos organizacionais e institucionais anteriores. As bases da competitividade empresarial e das relações das pessoas com as empresas se transformam em todas as direções. Produz-se um deslocamento da soberania para os clientes que favorece o desenvolvimento de importantes transformações estruturais internas, ao mesmo tempo em que adquirem uma nova e radical importância as pessoas, suas iniciativas e capacidade de responsabilizar-se pelos processos de trabalho, antes governados fundamentalmente pela ótica da autoridade hierárquica. Cresce, também, a incerteza em todos os níveis das decisões empresariais, convertendo-se no principal componente da atividade das empresas. O efeito mais importante destas mudanças nas empresas é a perda progressiva de controle sobre muitas das forças que determinam seu êxito ou fracasso. E esta constatação de que as corporações modernas são influenciadas por um número crescente de forças e fatores que, em muitos casos, estão fora de seu controle tem favorecido as visões e conceitos de gestão que permitem arbitrar e conciliar este novo universo de pressões e interesses. Uma das novas respostas é a proposta do enfoque dos stakeholders.
A origem do conceito de stakeholders relacionado com a questão da responsabilidade social surgiu como uma crítica à visão do Prêmio Nobel de Economia Milton Friedman, que foi exposta no livro Capitalismo e liberdade e publicado em 1962. Para este economista, a única responsabilidade social das organizações era para com seus proprietários ou acionistas.[3]
O termo stakeholder apareceu pela primeira vez em um memorando interno do Instituto de Pesquisa de Stanford em 1963. Este termo, em inglês, significa a necessidade de atuar com responsabilidade diante de toda pessoa ou grupo at stake (que participa do jogo), ou seja, que está envolvido com a atividade da organização, superando a concepção que defendia que somente os acionistas deveriam ser considerados. No documento, descreviam-se os participantes como “esses grupos sem cujo apoio uma organização deixaria de existir” e se recomendava aos dirigentes a tarefa de compreender suas necessidades e interesses.[4]
Mas a verdadeira popularização e generalização do termo se deve a Edward R. Freeman, com a publicação em 1984 de seu Strategic management: a stakeholder approach. Freeman define o termo stakeholder como “um indivíduo ou grupo que pode afetar ou ser afetado pela realização dos objetivos de uma empresa”.[5] O principal eixo de sua proposta é que uma empresa não somente é responsável perante seus acionistas e proprietários, mas também em relação a seus empregados, os consumidores, seus fornecedores e o conjunto dos grupos e indivíduos que são necessários ou que podem influenciar no desenvolvimento de seus objetivos e no êxito do projeto da organização. Ou seja, a empresa deve ser administrada em benefício de todos os indivíduos e grupos que participam em seu desenvolvimento ou podem ser afetados por suas atividades, o que obriga seus gestores a estabelecer um novo equilíbrio entre diferentes necessidades, interesses e expectativas que confluem na empresa, tanto no nível interno como em suas relações mais amplas com a sociedade.
Cada um dos grupos envolvidos tem seus próprios objetivos e interesses, o que deve ser levado em consideração pela organização, pois cada um tem diferentes necessidades e motivações que devem ser levadas em consideração. Por exemplo, enquanto os proprietários têm interesse prioritário nos lucros, os trabalhadores buscarão, além de melhor remuneração, melhores condições de trabalho e segurança; aos consumidores, por sua vez, interessarão produtos de melhor qualidade e baixo custo, e assim por diante. Como se vê, entre os stakeholders vigoram interesses bastante divergentes, embora haja muitas coincidências entre eles, como, por exemplo, na tendência da sociedade como um todo de buscar sustentabilidade ambiental.
Com uma perspectiva muito parecida à de Freeman, em 1996, Archie B. Carroll define os stakeholders como “indivíduos e grupos que influenciam nas ações, decisões, políticas, práticas ou objetivos das empresas ou que se veem afetados pelas mesmas”.[6]
A principal contribuição do enfoque dos stakeholders é proporcionar aos gestores uma visão mais ampla do desenvolvimento da empresa, assim como os novos quadros de relações que devem ser levados em consideração nos marcos de gestão estratégica. No plano teórico, confere à empresa um novo status como “ator social”, fundamentando a necessidade de uma nova dimensão da estratégia da empresa: a gestão das questões sociais e políticas dentro dos marcos das finalidades tradicionais da empresa.
O enfoque dos stakeholders exerceu uma influência benéfica na mudança de visão sobre as responsabilidades da empresa, pois a integração do discurso da complexidade sociopolítica nas estratégias de gestão favoreceu a sensibilização dos atores econômicos e dos líderes empresariais sobre os principais desafios que devem ser enfrentados na sociedade.

12.5 A responsabilidade social organizacional

Como vimos, o termo responsabilidade social empresarial (RSE) é utilizado desde os anos 60, particularmente nos países de cultura anglo-saxônica, como os Estados Unidos da América, o Canadá e a Inglaterra. No entanto, foi no final dos anos 90 do século XX que as reflexões sobre as relações entre as empresas e a sociedade adquiriram um novo impulso, refletindo particularmente as consequências sociais negativas da globalização.
Embora haja muitas definições de RSE (ou responsabilidade social corporativa — RSC — ou ainda responsabilidade social organizacional — RSO), na prática o conceito “promove um comportamento empresarial que integra elementos sociais e ambientais que não necessariamente estão contidos na legislação mas que atendem às expectativas da sociedade em relação à empresa”.[7] E deve-se destacar que as iniciativas em questões de RSE devem ir muito além da obrigação de cumprir a legislação em matéria ambiental ou social.
Outra questão importante é que as doações que a organização faz ocasionalmente não se constituem em ações de responsabilidade social organizacional. São um tipo de ajuda eventual prestado pela empresa, consideradas mais como ações de filantropia. Pois, diferentemente, entende-se que a
“responsabilidade social da empresa vai além da filantropia. Na maioria das definições se descreve como as medidas constitutivas pelas quais as empresas integram preocupações da sociedade em suas políticas e operações comerciais, em particular preocupações ambientais, econômicas e sociais. A observância da lei é o requisito mínimo que deverão de cumprir as empresas”.[8]

Desse modo, as ações de responsabilidade social corporativa
“são estratégias pensadas para orientar as ações das empresas em consonância com as necessidades sociais, de modo que a empresa garanta, além do lucro e da satisfação de seus clientes, o bem-estar da sociedade. A empresa está inserida nela e seus negócios dependerão de seu desenvolvimento e, portanto, esse envolvimento deverá ser duradouro. É um comprometimento”.[9]

Com a retomada do debate sobre a RSE, é recuperada a ideia da empresa como instituição que, além de ter responsabilidades e obrigações legítimas perante os acionistas, também seria responsável pelos impactos sociais e ambientais de suas atividades. As empresas, nesse sentido, não podem ficar à margem dos problemas e desafios enfrentados pela sociedade, particularmente a marginalização e desigualdades sociais decorrentes da racionalidade econômica na qual está inserida. Sua responsabilidade vai além do cumprimento das leis e normas que regulam os negócios.
Essa retomada da RSE encontra as grandes empresas, nacionais e multinacionais, muito mais permeáveis às pressões sociais, principalmente devido aos intensos debates ocorridos após a Conferência das Nações Unidas para Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) realizada em 1992, no Rio de Janeiro, sobre o desenvolvimento sustentável e que as colocaram como as principais responsáveis pela insustentabilidade de muitos processos econômicos nas quais estavam em volvidas. A partir daí a reflexão sobre a RSE converteu-se em um discurso crítico sobre a distância existente entre as políticas e práticas empresariais e o tipo de racionalidade econômica que se deve adotar nas sociedades atuais.
O fato a destacar é que os argumentos a favor da ampliação da responsabilidade empresarial não são somente normativos. Ocorre uma intensa relação das empresas com o ambiente externo, que influi decisivamente no funcionamento das organizações, em particular os valores sociais. Desse modo, junto com a responsabilidade imposta pelas leis e regulamentos e pelos critérios normativos próprios do atual modelo de racionalidade, como o crescimento, o valor para os acionistas e a maximização dos benefícios, nas políticas e nas decisões empresa riais influem também, de modo permanente, outros fatores de responsabilidade com a mesma capacidade (de prescrição) dos comportamentos e das práticas.
A perspectiva e orientação com foco nos clientes teve importante consequência nos objetivos e responsabilidades das empresas, e deu uma nova forma às organizações. Este aumento da importância da responsabilidade perante os clientes não tem um caráter normativo, nem se trata de uma exigência legal, mas condiciona de forma crescente a atuação das empresas, provocando novas mudanças nos objetivos e nas estratégias. Contribui também para destacar o papel das pessoas nas organizações, favorecendo o desenvolvimento de estruturas hierárquicas mais horizontais, nas quais os trabalhadores, independentemente de sua posição hierárquica e de suas funções específicas, têm que assumir novas responsabilidades na relação da empresa com os clientes.
Também tem ocorrido um crescimento de novas expectativas dos consumidores e da opinião pública em relação com a empresa. Em relação ao meio ambiente, são colocados para as empresas novos desafios, tanto no que diz respeito ao controle dos efeitos ambientais de sua atividade como na adoção de iniciativas ecológicas, na utilização de tecnologias e no desenvolvimento de produtos verdes. As empresas que não internalizaram as novas ideias ambientais enfrentam o risco de campanhas denunciadoras e o possível repúdio da opinião pública. Do ponto de vista social há uma vigilância constante da comunidade em relação a atitudes e práticas que não respeitam os direitos humanos, com a observação vigilante dos meios de comunicação sobre as condutas empresariais que merecem sanções sociais, como a discriminação de minorias, mulheres e outros grupos sociais. O incremento da corrupção nos negócios tem adquirido maior atenção crítica por parte da opinião pública.
Estas novas expectativas sociais adquirem uma extraordinária força social, tomando-se, quando não cumpridas, muito mais graves para as empresas que as derivadas do não cumprimento de leis e regulamentos. A empresa tomou-se muito mais permeável às pressões e influências externas, necessitando cada vez mais conciliar a pressão social com seus objetivos e funções.
A discussão pública sobre a RSE ocupa atualmente um lugar central na agenda global e constitui uma das principais referências normativas na reflexão sobre o papel futuro das empresas no desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida no planeta. E nesse contexto que se inclui a iniciativa da ONU (Pacto Global) e medidas dos governos, numa atuação que se insere num contexto de políticas públicas etc.
Na evolução do conceito de RSE, ocupam lugar de destaque os modelos de síntese elaborados por Carroll e Wood.
Em 1979, Archie B. Carroll propôs um dos modelos mais destacados, onde descreve a responsabilidade das empresas de acordo com quatro tipos de obrigações que são expressas nas responsabilidades econômicas, legais, éticas e voluntárias inerentes ao funcionamento e ao exercício das atividades e finalidades da empresa. Em 1991, Carroll aprimora o modelo com a incorporação do enfoque dos stakeholders e das ideias sobre cidadania corporativa. Segundo Carroll, as responsabilidades empresariais podem ser representadas com uma pirâmide de quatro níveis.[10] Na base estão localizadas as responsabilidades econômicas, que envolvem a obrigação de contribuir para a geração de riqueza e dos produtos e serviços que a sociedade necessita, ao mesmo tempo em que a empresa gera um benefício legítimo. A atividade econômica, que é a função básica da empresa, deve apoiar-se no respeito às leis — responsabilidades legais —, que são para Carroll o segundo nível da pirâmide de responsabilidade. As responsabilidades éticas ocupam o terceiro nível; por elas a empresa se obriga a respeitar “os padrões, normas ou expectativas que refletem uma preocupação pelo que os consumidores, empregados, acionistas e a comunidade consideram justo, ou guardando seu respeito e proteção aos direitos morais dos participantes”. Finalmente, e na parte superior da pirâmide, a empresa assume responsabilidades voluntárias, que não são exigidas pelas leis, com as quais demonstra seu compromisso de cidadania apoiando os objetivos sociais da comunidade (ver a Figura 12.4).


Já Wood, por usa vez, define a “sensibilidade e capacidade de resposta social da empresa” como a articulação na organização “dos princípios de responsabilidade social, dos processos de resposta da organização e das políticas, programas e resultados observáveis, na medida em que estão vinculados com as relações sociais da empresa”.[12] Com a visão da empresa proposta pelo enfoque dos stakeholders, Donna Wood considera que estas relações podem estudar-se em três níveis diferentes. No “nível institucional” se definem as funções da empresa na sociedade de acordo com um “princípio de legitimidade”. Segundo Wood, este princípio obriga as empresas a organizar suas atividades de maneira socialmente responsável e com o máximo de respeito às leis, às regulamentações econômicas e às normas éticas existentes na sociedade. O segundo é o “nível organizacional” ou corporativo, no qual se rege um “princípio de responsabilidade pública” inspirado nas responsabilidades que o setor econômico privado tem no progresso social. De acordo com este princípio, as empresas são responsáveis pelos resultados e pelos impactos econômicos, sociais e ecológicos de suas atividades, portanto estão obrigadas a atuar com “sensibilidade” e manter um forte compromisso com a sociedade, seus desafios e expectativas de progresso. As responsabilidades institucionais e organizacionais são complementadas com as responsabilidades individuais dos membros da organização. Estas últimas responsabilidades são situadas por Donna Wood no “nível individual”, para explicar que os dirigentes e o conjunto dos membros das organizações são “agentes morais” — também obrigados pelos princípios de responsabilidade — cujas decisões e escolhas contribuem para o desenvolvimento de empresas socialmente responsáveis.
Desse modo, ao final do século XX, os dirigentes empresariais foram gradativamente se conscientizando de que as empresas não constituem somente unidades de produção, ou de prestação de serviços, mas constituem agentes sociais que gozam de autonomia relativa em relação aos indivíduos que as integram e que, como unidades sociais, devem assumir determinadas responsabilidades coletivas que se concretizam, por exemplo, no respeito aos direitos humanos, na melhoria da qualidade de vida da comunidade e da sociedade mais geral e na preservação do meio ambiente natural, entre outras.
No final do século passado, as discussões sobre a responsabilidade social tomaram um novo rumo com o lançamento do Pacto Global pelas Nações Unidas em 999, quando o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, apelou para que as empresas do mundo todo assumissem uma globalização mais humanitária. O Pacto tem dez princípios universais:[13]
Princípios de Direitos Humanos
1. Respeitar e proteger os direitos humanos.
2. Impedir violações de direitos humanos.
Princípios de Direitos do Trabalho
3. Apoiar a liberdade de associação no trabalho.
4. Abolir o trabalho forçado.
5. Abolir o trabalho infantil.
6. Eliminar a discriminação no ambiente de trabalho.
Princípios de Proteção Ambiental
7. Apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais.
8. Promover a responsabilidade ambiental.
9. Encorajar tecnologias que não agridem o meio ambiente.
Princípio contra a Corrupção
10. Combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e propina.
O Pacto constitui um referencial dos novos valores globais que devem ser assumidos pelas organizações e pelos indivíduos que queiram assumir uma atuação socialmente mais responsável.


Resumo

Neste capítulo, abordamos, essencialmente, a influência do ambiente organizacional nos processos internos das organizações. Inicialmente definimos esse ambiente externo com duas vertentes, um macroambiente, geral ou global, e um microambiente, operacional ou específico.
Vimos que o ambiente organizacional global é formado por aqueles fatores sobre os quais a organização não tem influência direta, principalmente o político, o econômico, o jurídico, o sociocultural, o tecnológico, o internacional e o ecológico.
E que o ambiente organizacional operacional, mais específico, envolve o contexto mais próximo da organização, apresentando como fatores, entre outros: concorrentes existentes e potenciais, eventuais substitutos, consumidores, fornecedores, entidades reguladoras, parceiros estratégicos.
Nesse contexto, em que cresce a importância do ambiente externo, é que se insere a abordagem dos stakeholders, que são os indivíduos, grupos e organizações que têm algum interesse na empresa. Fizemos um breve histórico da evolução conceitual desse enfoque, e seus reflexos no conceito de responsabilidade social no final do século XX.
A responsabilidade social foi abordada de forma ampla, que vai muito além da filantropia, e que envolve a empresa com as preocupações mais gerais da sociedade em termos ambientais, sociais e humanísticos.
No processo histórico de construção do conceito de RSE, vimos as propostas de Archie Carroll, na década de 90, que apresentam as responsabilidades empresariais em quatro níveis de progressão, em formato piramidal, compreendendo, na ordem: responsabilidades econômicas, em seguida as legais, passando às éticas e finalmente às voluntárias.
Vimos a importância que é dada atualmente à responsabilidade social empresarial pelos organismos internacionais, como a ONU, que sintetizou em dez pontos os princípios universais que devem servir de referência global para implementação de propostas éticas no ambiente organizacional: respeitar e proteger os direitos humanos, impedir violações desses direitos, apoiar a liberdade de associação no trabalho, abolir o trabalho forçado, abolir o trabalho infantil, eliminar a discriminação no ambiente de trabalho, apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais, promover a responsabilidade ambiental, encorajar tecnologias que não agridam o meio ambiente e combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e propina.

Referência:

DIAS, Reinaldo. Sociologia das organizações. São Paulo: Editora Atlas, 2008, 233-247p.





[1] Os stakeholders integram o ambiente organizacional, no entanto, pela sua característica e especificidade, serão abordados em outro tópico, neste mesmo capítulo.
[2] 2 Daft (2004, p. 80).
[3] Friedman (1977).
[4] Perdigueiro (2003).
[5] Freeman (1984, p. 25).
[6] Carrol (1996, p. 74).
[7] Araya (2003, p76)
[8] Unctad (2003).
[9] Toldo (2002, p. 84).
[10] Carroll (1991, p. 47).
[11] Baseada em Carroll (1991, p. 47)
[12] Wood (1991, p. 693).
[13] Disponível em: <wwwpactoglobal.org.br>.

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