Reinaldo Dias
Origem e conceito do trabalho
O trabalho é uma realidade para
todo ser humano capaz de exercê-lo. Em condições de normalidade os indivíduos
trabalham a maior parte de sua vida. Desde o nascimento iniciamos a preparação
para exercê-lo, pois é necessário adquirir conhecimentos e desenvolver
habilidades para poder trabalhar. Nas sociedades humanas existem leis, decretos
e regulamentos que estabelecem regras para o trabalho. Podemos afirmar que o
trabalho faz parte do cotidiano do ser humano.
Na antiga Roma, os cidadãos
viviam numa condição de não-trabalho. Os únicos indivíduos que eram submetidos
ao “tripalium”, instrumento de tortura com três pontas, eram os presos e os
escravos. Do “tripalium” originou-se a palavra trabalho.
O termo trabalho apareceu, na
idade média (século XIV), e o seu significado continuava relacionado de alguma
forma com o sofrimento. Por exemplo, dizia-se que uma mulher no parto
“trabalhava”, e dizer-se que alguém viu o fim “de seus trabalhos” significava
que havia passado a outro mundo depois dos sofrimentos deste. Nesse período,
até o século XVIII, a sociedade feudal estava estruturada em camadas, chamadas
“estados”, e o trabalho era monopólio do terceiro estado, onde estava o povo, O
primeiro e segundo estados que compreendiam a nobreza e o clero tinham a
obrigação de não trabalhar.
Podemos procurar entender o que é
o trabalho humano abordando-o sob diferentes aspectos. Podemos, por exemplo,
analisá-lo do ponto de vista de suas características, os seus efeitos na
transformação da natureza e do próprio homem, e o significado que o trabalho
tem para cada um de nós. Seja qual for a perspectiva adotada, o tema: trabalho
humano permite-nos compreender a natureza humana e as características de nossas
sociedades.
Os diferentes trabalhos que
executamos podem ser analisados tomando-se como base suas condições objetivas e
subjetivas, que poderão contribuir para uma melhor compreensão do próprio ser
humano.
Fazem parte das condições
objetivas que caracterizam o trabalho: o modo como ele se organiza e como está
dividida sua realização, qual é a sua complexidade, como é supervisionado, como
se apresenta sua rotina, quais as pressões a que está submetido, e quais são
suas recompensas e castigos.
Como parte das condições
subjetivas do trabalho estão: a satisfação pessoal na sua realização, se o
realizamos prazerosamente ou não, e o compromisso que temos na sua realização.
As condições objetivas e
subjetivas do trabalho exercem grande influência nos seres humanos como
indivíduos e de como estão organizados em sociedades. Do ponto de vista das
condições objetivas, na história recente, a forma como os homens dividiram o
trabalho — quem faz o quê — transformou a sociedade e seguirá modificando a
estruturação hierárquica em nossas comunidades. De outro modo, em termos
subjetivos, para cada um de nós o trabalho tem um significado especial: pode
ser apenas um meio para conseguir o dinheiro necessário para a sobrevivência ou
pode chegar a ser um meio para a realização pessoal, ou até mesmo ambos.
Conceito de trabalho
Podemos caracterizar como
trabalho uma atividade realizada por seres vivos (não só a espécie humana), que
modifica a natureza de modo a transformá-la para melhor satisfazer suas
necessidades. Desse modo, na raiz da caracterização do que é o trabalho, está a
sua condição de uma atividade desenvolvida pela espécie humana para modificar a
natureza e adaptá-la para a satisfação de suas necessidades.
Embora tanto os animais como os
seres humanos realizem trabalho, este nos é útil para estabelecer uma profunda
diferença entre eles. Podemos afirmar que “o trabalho humano é consciente e
proposital, ao passo que o trabalho dos outros animais é
instintivo”.(Braverman,p.50)
O homem ao trabalhar executa uma
atividade que previamente havia planejado em sua mente e, ao desenvolvê-la
materialmente pode modificá-la a seu modo. Ao longo da realização do projeto é
capaz de resolver os problemas que surgem, muitas vezes modificando a sua
concepção inicial. Por exemplo, um artesão que pretende fazer uma mesa a partir
de uma árvore, a terá construído primeiro em sua mente em todos os detalhes, a
partir do momento que inicia concretamente sua construção, a irá modificando
aos poucos, e quanto tiver concluído o trabalho, o produto que obterá,
provavelmente, será melhor do que aquele que havia proj etado mentalmente, pois
ao longo do processo, modificou o projeto original, melhorando-o.
Deste modo, ao trabalhar, o homem
sofre uma transformação no seu modo de pensar, modificando-se. Como disse Marx,
“atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica
sua própria natureza”(MARX, Karl. O Capital, 1989,p.202)
O trabalho humano ao qual estamos
nos referindo refere-se ao trabalho realizado por um indivíduo que detém a
posse do conhecimento de todo o processo de produção do oficio ao qual está
ligado, ou seja, o planejamento e a força de trabalho pertencem a quem
desempenha a atividade produtiva.
O trabalho executado na moderna e
complexa sociedade tem aspectos que, vistos em sua individualidade, podem não
ter relação com a concepção original de “intervir na natureza”, no entanto se
ligarmos todos os diferentes trabalhos particulares, veremos que a soma de
todos eles tem como objetivo maior a manutenção da espécie humana no ambiente
natural. E, do ponto de vista individual, os diferentes trabalhos realizados
pelas pessoas apresentam a mesma característica interativa. Ou seja, o trabalho
a ser realizado, primeiramente, surge na forma de planejamento na mente humana,
uma vez levado à prática sofre modificações, e ao mesmo tempo modifica a
natureza humana. Isso vale para qualquer tipo de trabalho humano, inclusive a
prestação de serviços.
A racionalidade do trabalho no capitalismo
No início da organização
industrial os camponeses, pequenos produtores, fazendeiros, artífices e
artesãos foram gradualmente separados do acesso à propriedade produtiva e
independente dos meios de subsistência e forçados a se submeterem a um mercado
de trabalho, vender a sua força de trabalho mediante o recebimento de um
salário. Embora essa forma de organização seja uma fase essencial na evolução
do capitalismo, não aconteceu de uma só vez e de forma generalizada. Ao se
separarem da propriedade produtiva os indivíduos não aceitaram automaticamente
as relações de trabalho assalariadas, houve uma intensa resistência, oposição,
e conflito contra a emergente organização da produção.
Para contornar a resistência os
capitalistas tiveram que instituir estratégias organizacionais que foram
arquitetadas para disciplinar o trabalho e extrair deste mais produtividade.
Foram os primeiros esforços para subordinar os insubordináveis recursos
humanos.
Entre as muitas descrições da
transição para o capitalismo industrial, a mais comum é a que descreve a
natureza modificada do trabalho sob o capitalismo, envolvendo o contraste com
os artesãos pré-capitalistas — que possuíam habilidades raras e exerciam um
total controle sobre o processo de trabalho — e o trabalhador da indústria —
que não possuía habilidades especiais e que poderia ser caracterizado como uma
mera peça de máquina. Embora essa imagem nos seja útil para caracterizar em
linhas gerais a diferença essencial do trabalho desenvolvido na sociedade
pré-capitalista e na capitalista, devemos ressaltar que anteriormente ao
capitalismo nem todo o trabalho era do tipo artesanal. Da mesma forma, sob o
capitalismo moderno, nem todo indivíduo trabalha em uma linha produtiva, O que
deve ficar claro é que a ascensão do capitalismo destruiu um modo estabelecido
de vida, particularmente a sua relação de trabalho. E, o novo modo de vida
ameaçou segmentos da população que reagiram à escalada do capitalismo de
mercado e se agarraram a culturas alternativas, onde predominava: a visão
comunitária própria da vida rural, a indisciplina para o trabalho coletivo,
necessidade de lazer e a autonomia de decisão.
É importante destacar que o
recurso humano então necessário ao sistema de fábrica emergente não poderia
simplesmente ser comprado, coletado ou controlado como outros fatores de
produção. Uma explicação para isso é que seres humanos desenvolvem tradições,
identidades, laços de solidariedade, e rotinas que não podem ser abandonadas
facilmente e serem substituídas. Essas tradições alimentaram a base para a luta
política coletiva nos primórdios da industrialização e forçaram os
proprietários das indústrias a criar estratégias para o recrutamento de
trabalhadores, procurando controlar os vários aspectos sociais da existência
humana.
A resistência operária estava
baseada na manutenção das tradições culturais rompidas com a ascensão do novo
modo de produção, em essência nos fins do século XVIII e XIX as reclamações
diziam respeito principalmente a:
a.
ascensão de mestres de oficio sem a autoridade
tradicional ou as obrigações,
b.
perda do status e independência do trabalhador,
c.
sua redução para total dependência em relação
aos proprietários dos instrumentos de produção,
d.
ao rompimento da economia familiar tradicional,
e.
disciplina,
f.
monotonia da rotina,
g.
liberdade de horário e condições de trabalho,
h.
perda de horas de lazer e,
i.
redução do homem para o status de um
“instrumento”.
Os artesãos em particular
reagiram com mais intensidade e radicalização a esse processo de mudança no
modo de produção, pois percebiam que seu status e padrão de vida estava sob
ameaça ou se deteriorando, uma vez que sentiam:
a.
a perda de prestígio,
b.
a degradação econômica,
e.
a perda do orgulho de possuir habilidade e,
d.
a quebra de aspiração para ascensão a mestre, entre outros.
A divisão técnica e a social do trabalho
Do ponto de vista do controle
operário o capitalismo criou, no âmbito da organização industrial, a divisão do
trabalho na produção onde cada atividade, ofício ou tarefa foi parcelado de tal
modo que tomou o trabalhador incapaz de acompanhar qualquer processo completo
de produção. A divisão de trabalho na fábrica é diferente da divisão social do
trabalho que é característica de toda sociedade humana e condição de sua
sobrevivência como bem ilustra Braverman, “A aranha tece, o urso pesca, o
castor constrói diques e casas, mas o homem é simultaneamente tecelão,
pescador, construtor e mil outras coisas combinadas..”(p.71)
Desse modo cada homem desenvolve
um trabalho que é social na medida em que pertence a uma divisão estabelecida
pela sociedade na qual cada um realiza um tipo de atividade que, somadas, tomam
a espécie humana mais capaz de sobreviver que outras espécies determinadas que
são incapazes de realizar trabalho através de uma divisão social de ocupações
ou ofícios. (Aqui falamos de modo geral, pois algumas espécies animais
apresentam uma certa divisão do trabalho, que pode ser caracterizada como
social, embora não realizada conscientemente, mas instintivamente.)
Ocorre que o capital, ao realizar
a divisão técnica do trabalho nas fábricas, parcelou a ocupação ou ofício que
pertencem à divisão social do trabalho na sociedade. Por exemplo, o ofício de
tecelão pertence à divisão social de trabalho na sociedade na medida em que
existem pessoas que desenvolvem essa ocupação e possuem o conhecimento
necessário para a produção do tecido. Na sociedade industrial o ofício deixa de
existir, substituído pela indústria têxtil, na qual o conhecimento de produção
do tecido é exclusivo do capitalista, proprietário da fábrica, os trabalhadores
perdem esse conhecimento e realizam apenas uma parcela da atividade necessária
à produção do tecido.
É claro que essa transição não
foi fácil. Como vimos, houve resistência e o surgimento de uma identidade de
interesses entre os diferentes ofícios que anteriormente ao capitalismo não
existiam.
Do ponto de vista social, o fato
que se sobressai do período entre 1790 e 1830, na Inglaterra, é a formação da
“classe operária”. Esse fato nos é revelado pelo crescimento da consciência de
classe, ou seja, da consciência de uma identidade de interesses entre todos os
diversos grupos de trabalhadores que se manifestavam contra os interesses de
outras classes. E, por outro lado, pelo crescimento de formas correspondentes
de organização tanto no nível político, quanto no nível da indústria.
A construção da identidade do trabalhador na indústria
A formação da classe operária foi
um fato político, cultural, econômico e histórico. Ela não surgiu espontânea e
nem concomitantemente ao estabelecimento do sistema fabril. Os- trabalhadores
foram se conscientizando gradativamente das novas relações produtivas, das
novas condições de trabalho e foram desenvolvendo novos hábitos, costumes,
novas rotinas que foram constituindo uma nova cultura, que pouco tinha a ver
com a cultura tradicional baseada em outras condições de trabalho. As relações
produtivas modificadas pela Revolução Industrial fizeram surgir novas condições
de trabalho que foram impostas ao povo inglês (e posteriormente a outros
povos). A classe operária que surgiu foi se formando, ao mesmo tempo, que se
consolidava essa imposição.
Os trabalhadores de fábrica aos
poucos formavam comunidades baseadas na capacidade humana para desenvolver
laços de solidariedade, novas rotinas e padrões comuns de interação. Essas
relações sociais que se desenvolviam na nascente organização industrial
proporcionavam para o trabalhador uma fonte potencial de poder. A existência
dessas características proporcionou as primeiras lutas e movimentos sociais do
período industrial.
Essa característica do fator
humano na produção que, diferentemente de outros fatores de produção, não
poderia ser dirigida ou controlada como objetos trouxe o problema da
imprevisibilidade para a administração fabril.
É a organização social que
distingue o trabalho dos outros fatores de produção. Os primeiros movimentos de
resistência dos trabalhadores que eclodiram nos fins do século XVIII e ao longo
do século XIX estavam baseados na organização tradicional das comunidades de
origem dos operários e lutavam contra a ameaça do sistema capitalista ao seu
modo de vida tradicional. Portanto, os primeiros movimentos de trabalhadores
visaram construir laços comunais de solidariedade que procuravam reproduzir
aqueles que existiam na sua comunidade de origem.
Do ponto de vista administrativo
era necessário para o empresário capitalista criar um sistema burocrático que
fosse imposto para controlar o conflito e impor limites à solidariedade dos
trabalhadores. O desafio de coordenar e controlar grandes contingentes de
trabalhadores dentro de uma única fábrica nunca tinha sido enfrentado em tal
escala, e nesse sentido, podemos afirmar que a administração racional e
metódica do trabalho era o problema central da administração no período da
revolução industrial e exigiu uma luta profunda contra as práticas tradicionais.
Um dos grandes problemas a serem
enfrentados era que o trabalhador resistia a aceitar o conceito de “emprego
contínuo” e um tipo de emprego onde os empregadores estavam pouco dispostos a
tolerar hábitos antigos de trabalho.
A necessidade de domesticar o
fator humano era um desafio tão importante quanto os obstáculos técnicos que
surgiam e que deviam ser enfrentados. As tradições culturais e hábitos
tradicionais dos trabalhadores eram obstáculos sociais que exigiam uma ação
social de controle significativo, pois para eles, o conceito de disciplina
industrial era novo e este era um problema administrativo para o qual não
existia um remédio fácil, era necessário inovar.
As rotinas e os modos de vida do
passado não puderam ser apagados facilmente das mentes dos indivíduos. O
sistema de fábrica emergente contrastou enormemente com os antigos modos da
atividade econômica que permitiam grande liberdade e autonomia para muitos
trabalhadores. Para esses que cresceram sob o sistema pré-industrial, a
adaptação à disciplina do novo sistema não foi fácil; esta é uma razão porque o
trabalho infantil oferecia uma solução parcial para os empresários.
Trabalhadores jovens eram mais fáceis de coagir e controlar, eles não tinham
desenvolvido ainda uma tradição de trabalho e por isso não sentiam a afronta ao
seu modo de vida como acontecia com os trabalhadores estabelecidos e mais
velhos. Dessa forma, a segunda geração de trabalhadores não “contaminados” por
hábitos pré-industriais de trabalho e lazer apresentavam uma situação diferente
de problemas para a administração.
Um aspecto paradoxal do problema
era que a primeira geração de capitalistas teve dificuldades com a geração
existente de trabalhadores que eram os mais capazes e qualificados, porém não
os mais dispostos a aceitar a cultura fabril baseada na disciplina industrial.
O tradicionalismo, a cultura
tradicional baseada nos costumes pré-capitalistas, foi o obstáculo principal à
execução da disciplina dentro da fábrica.
A segunda fase da revolução
industrial, também conhecida como segunda revolução industrial, desenvolveu-se
particularmente nos Estados Unidos da América, e trouxe algumas
particularidades não encontradas no espaço europeu. Os problemas trazidos pelos
costumes tradicionais foram ainda maiores, pois houve uma grande participação
de imigrantes na força de trabalho que traziam costumes os mais diversos,
resultando em uma variedade de problemas culturais e normas que não se
ajustavam facilmente à máquina industrial emergente. Houve um duplo desafio
para a administração: a necessidade de transformar os hábitos de trabalho
tradicionais e superar os obstáculos culturais nacionais particulares para
uniformizar o controle administrativo.
A dinâmica histórica da
industrialização americana envolve a interação entre o sistema de fábrica
emergente e os hábitos de trabalho tradicionais e a tendência em se ignorar a
disciplina. Envolve de outro modo as estratégias administrativas para quebrar
as tradições e aumentar a disciplina, assim como a oposição e resistência do
trabalho em relação a este sistema de controle. Esta situação, como vimos,
ocorre pela natureza sem igual do trabalho, pois entre os fatores de produção
só os humanos trazem a bagagem cultural.
Os homens e mulheres que vendem a
sua força de trabalho a um empregador trazem mais para as novas relações de
trabalho do que a sua mera presença física: introduzem e provocam modificações
culturais importantes na nova organização industrial. Os operários, quer sua
origem seja de extração rural ou imigrantes europeus, trouxeram hábitos de
trabalho pré-industriais que condicionaram suas respostas para o ambiente que
encontraram na nova sociedade industrial.
Por outro lado, devemos
considerar que além das normas culturais trazidas do ambiente rural ou de
outras comunidades pré-capitalistas havia outras que se desenvolveram dentro
das fábricas e que não serviam ao desenvolvimento da produção capitalista. No
início foram adquiridos hábitos de trabalho que dificultavam a submissão dos
trabalhadores às regras e regulamentos (por exemplo, a executarem um número
fixo de horas). Essa situação restringia a produção e as cotas formais
estabelecidas pelos empresários.
Os problemas iniciais, que
indicavam uma dificuldade de submissão dos trabalhadores às regras capitalistas
emergentes, induziram ao desenvolvimento dos sistemas de controle de
administração científicos.
As primeiras medidas foram
projetadas para mudar as atitudes e hábitos de trabalho, associados com a
cultura tradicional. Foram estratégias que descambaram para uma orientação paternalística
do trabalho, que ditou certas formas de organização que resultaram em um
sistema personalizado de emprego, recrutamento e controle operário. Aceitou-se
um sistema familiar que poderia aliviar a transição para o sistema fabril e
evitar a oposição ao novo modo de vida. O sistema de controle paternalista deu
origem a um sistema de subcontratação, que mantinha as relações familiares
entre os trabalhadores recrutados por um intermediário. Essa estratégia foi
útil também porque aos proprietários faltava conhecimento suficiente sobre as
técnicas de produção e o processo de trabalho. Deste modo o subcontratante
(intermediário) passou a assumir, na prática, as tarefas administrativas de
organização e motivação para o trabalho. O sistema de subcontratação pode ser
visto como uma fase transitória para um sistema contratual mais burocrático de
controle de trabalho.
Outros métodos, não paternalistas,
foram sendo criados para superar os problemas de disciplina na fábrica. Os
empresários utilizaram várias punições contra os trabalhadores como o castigo físico
dos jovens, demissão ou ameaça de demissão, multas por atraso, ausência do
trabalho ou insubordinação. Incentivos como pagamento por resultados também foram
utilizados como meio para atrair os trabalhadores e maximizar os esforços de
trabalho.
Para os capitalistas o problema
central persistia, ou seja, a disposição dos trabalhadores para hábitos de
trabalho irregulares, motivados por uma concepção de vida para a qual a renda
de subsistência era suficiente. A lógica motivacional que dirige o sistema de
trabalho assalariado não podia se basear nessa concepção de vida. Havia a
necessidade de alimentar a possibilidade de aumentar o ganho individual,
baseado numa visão particular do comportamento humano. Ou seja, até mesmo
quando um certo nível de subsistência fosse alcançado, as pessoas haveriam de
querer ganhar mais dinheiro e consumir mais artigos e, então, teriam um
incentivo para continuar trabalhando. Esta é a base motivacional do trabalho
assalariado, baseado na insatisfação permanente das condições de vida
individual. As pessoas foram convencidas, no novo sistema, de que a satisfação
de seus interesses pessoais se realizaria na perseguição do lucro econômico, e
não em metas não econômicas como era crença em períodos anteriores.
Do ponto administrativo a
natureza não programável do recurso humano fazia do controle previsível algo
completamente impossível.
Os fatores de produção, como as
máquinas e ferramentas, se estivessem desajustados poderiam ser adaptados a
qualquer nova situação, pois, ao contrário do fator humano de produção, aqueles
não opõem resistência, nunca estão desestimulados e estão sempre disponíveis.
Em princípio, a utopia do pessoal
dos quadros de administração das empresas era a expectativa de que a máquina
humana pudesse ser controlada pelas mesmas regras que governavam a operação das
máquinas. E foi Frederick Taylor o principal teórico que desenvolveu os
conceitos da Administração Científica, idealizada com o objetivo de tentar
criar uma verdadeira máquina humana através da combinação dos princípios da
engenharia com o método científico.
A administração científica e o seu papel social
A Administração Científica esteve
por trás de quase todo o projeto de trabalho capitalista desde que foram
formulados seus ensinamentos fundamentais por Frederick Winslow Taylor (TAYLOR,
Frederick W. Princípios de Administração Científica. São Paulo: Atlas, 1976.),
nas últimas décadas do século XIX. Ela pode ser vista como a mais conhecida e
importante teoria a tentar lidar sistematicamente com a problemática do
“trabalho” do ponto de vista dos empresários. Embora procure adotar uma postura
científica, de acordo com Harry Braverman:
“Faltam-lhe as características de
uma verdadeira ciência porque suas pressuposições refletem nada mais que a
perspectiva do capitalismo com respeito às condições da produção. Ela parte,
não obstante um ou outro protesto em contrário, não do ponto de vista humano,
mas do ponto vista do capitalista, do ponto de vista da gerência de uma força
de trabalho refratária no quadro de relações sociais antagônicas. Não procura
descobrir ou confrontar a causa dessa condição, mas a aceita como um dado
inexorável, uma condição ‘natural’. Investiga não o trabalho em geral, mas a
adaptação do trabalho às necessidades do capital. Entra na oficina não como
representante da ciência, mas como representante de uma caricatura de gerência
nas armadilhas da ciência.” (BRAVERMAN, HARRY. Trabalho e Capital Monopolista.
3’ ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1987, p. 82.)
Não obstante, a Administração
Científica cumpriu o seu papel ao longo do século completando a expropriação do
conhecimento que ainda restava do processo de trabalho por parte dos
trabalhadores e reconstituindo-o em beneficio exclusivo do capital. O
planejamento não mais pertencia ao trabalhador, seria função da gerência e
restaria ao trabalhador vender a sua força de trabalho.
A natureza única do trabalho se
manifesta em sua habilidade de possuir e controlar o conhecimento e a
informação sobre os métodos de produção. Esse controle do trabalhador sobre o
conhecimento e o “know how” relativo aos métodos de produção colocou, em seu
início, os empresários em uma desvantagem importante.
Os trabalhadores e os capatazes
determinavam a organização e o andamento da produção, em lugar dos empresários.
Os empregadores designavam esses empregados para organizar a produção e o
trabalho, porém não havia nenhum modo independente e confiável para determinar
se, de fato, a produção estava nos níveis adequados. Neste contexto, é
importante entendermos que o conhecimento dos trabalhadores era fonte
fundamental de poder. Embora os trabalhadores dependessem dos empresários para
o emprego, os capitalistas dependiam do conhecimento dos operários para a
produção ocorrer. E, para modificar este equilíbrio de forças decisivamente a
favor do capital, era necessária a eliminação desta dependência — que ainda
persistia — do empresário em relação ao trabalhador. Taylor considerou isso
como um dos objetivos fundamentais da Administração Científica.
A habilidade de usar o conhecimento
como uma fonte de poder representou o primeiro aspecto, da capacidade única do
trabalho, para o qual se voltou o ataque da administração científica.
O desafio de Taylor, então, era
reduzir o trabalho para um objeto do processo de produção. Em lugar do trabalho
determinar a organização da produção ou o andamento do trabalho, estes seriam
determinados pelos gerentes e o aparato estrutural baseado na administração
científica. Isso poderia ser alcançado dissolvendo as bases de ação
independente ou, mais especificamente, a vantagem obtida em virtude da posse do
conhecimento técnico. Reduzir esta fonte de poder era parte do esforço para
empurrar o trabalho mais próximo para o lado de objeto da existência humana e
para uma convergência com os outros fatores de produção — máquinas,
equipamentos, ferramentas. Com o trabalho assumindo o caráter de um objeto
ficaria mais propenso à manipulação e à maleabilidade.
Para Taylor, só a aplicação da
ciência poderia realizar este propósito. A ciência iria remover a variabilidade
e a incerteza que caracterizavam os métodos de produção e que eram o resultado
direto da contratação de trabalhadores que trouxeram hábitos particulares e
tradicionais para a fábrica, O treinamento desses trabalhadores não empregava
nenhuma técnica em particular, não obedecia a nenhum método padrão, mas existia
uma enorme variedade de técnicas e rotinas baseadas no senso comum e adotadas
durante o aprendizado ou por tentativa e erro. O caráter do conhecimento,
refletindo a natureza do trabalho, levou à desestandartização (não
padronização) e à variedade. Isso representava um problema para aqueles
envolvidos com a administração que, assim como Taylor, preferiam a máquina,
como modelo de uniformidade e previsibilidade.
Para Taylor os trabalhadores em
todas as suas atividades aprendem os detalhes de seu trabalho pela observação
do que acontece ao seu redor, e descobrem que há muitos modos de fazer a mesma
coisa. Ocorre que para cada método ou instrumento de trabalho utilizado para
cada atividade haverá sempre um método ou ferramenta que serão mais rápidos e
melhores que qualquer um dos outros. E este melhor método ou ferramenta só
podem ser descobertos ou desenvolvidos através do estudo científico e análise
de todos os métodos e ferramentas em uso, junto com um estudo preciso do
movimento e do tempo empregado na execução da tarefa.
A descoberta do melhor modo de se
fazer determinada atividade representa um esforço para reorganizar o processo
de produção de tal modo que o trabalho humano seja inserido no processo de
produção como parte de uma máquina. Da mesma maneira que as partes não
determinam o projeto de uma máquina, o trabalho não deveria determinar a
operação da produção. O trabalho deveria se conformar em lugar cientificamente
determinado para desempenhar sua tarefa. Os princípios de Administração
Científica são, em essência, princípios de engenharia aplicados à organização
social da produção. Taylor estava simplesmente aplicando o seu conhecimento
específico — de projetar máquinas — para um sistema fabril que incluía, segundo
ele, algumas partes bastante incômodas e imprevisíveis — os seres humanos. Os
humanos possuem propriedades que Taylor, como engenheiro considerava pouco
atraentes — temperamento, resistência a pressões, e uma tendência à não
uniformidade. A ciência de Administração de Taylor foi criada para minimizar os
problemas apresentados pelo variável e imprevisível fator humano.
Os elementos centrais do sistema
de Taylor envolvem quatro passos básicos. O primeiro é o desenvolvimento de uma
ciência para cada elemento do processo de trabalho, e que cria regras rígidas
de movimento para todo homem, a padronização e a perfeição do processo de trabalho.
Os estudos de “tempo e movimento” são um componente importante desta primeira
fase. Taylor acreditava que cada um e todo o ato físico de trabalho pudesse
estar sujeito à análise científica, e que o único e melhor modo para levar a
cabo cada ato pudesse ser descoberto eventualmente.
Uma vez que cada tarefa foi
suficientemente analisada e aperfeiçoada, o segundo dever da administração
envolveria a seleção do trabalhador e dos instrumentos, ou seja, das partes
para serem ajustadas ao processo de produção. A ciência deveria ser empregada
para medir as especificações humanas que mais se ajustariam à determinada
tarefa. A partir das experiências realizadas, os gerentes poderiam selecionar o
melhor trabalhador para um trabalho em particular.
A preocupação principal de Taylor
era criar tarefas relativamente simples, baseando-se no tempo e análise do
movimento, selecionando trabalhadores apropriados para o desempenho dessas
tarefas elementares. A análise científica do processo de trabalho dos operários
tinha reduzido todas as tarefas para uma série de movimentos fisicos simples e
repetitivos. Eram tarefas manuais pouco exigentes, como o apertar de parafusos.
Se um trabalhador exibisse eficiência excepcional para uma tarefa particular, o
procedimento de seleção científica estava mais que justificado. Não haveria
nenhum interesse da administração em remover qualquer pessoa de uma tarefa que
estava executando tão bem, ou promover um trabalhador para um nível mais alto,
pois afinal de contas, se a parte estava tão bem ajustada, devia-se continuar
utilizando-a.
O terceiro princípio do sistema
de Taylor invoca a noção de cooperação. O gerente deveria cooperar com os
trabalhadores para verificar se todos os trabalhos estavam sendo bem
desenvolvidos e de acordo com as diretrizes cientificamente detêrminadas ou,
como Taylor coloca, “mantendo a ciência e os trabalhadores unidos”.
O quarto e a fase final da
administração científica é a manutenção de uma divisão igual de trabalho e
responsabilidade entre a administração e o trabalhador. Taylor observa que, em
contraste com os primeiros sistemas de administração onde praticamente o “como
fazer” estava sob o controle do trabalhador, na Administração Científica
pode-se dizer que integralmente a metade do “como fazer” está com a administração.
Embora aparentemente democrática, pois indicaria que a divisão
trabalho-administração é meio a meio, do ponto de vista qualitativo há uma
divisão clara entre trabalho manual e intelectual, os gerentes planejam e os
trabalhadores executam.
O sistema de administração criado
por Taylor teve por objetivo disciplinar o fator operário na produção e
enfrentar as incertezas inevitáveis que surgem quando os homens entram no
processo de produção. A ciência desenvolvida por ele foi projetada para reduzir
essas incertezas. Isso, segundo ele, poderia ser realizado pela aplicação das
técnicas da engenharia.
Do ponto de vista da ação
coletiva, Taylor considerava que quando os trabalhadores são agrupados perdem a
ambição e a iniciativa, tanto quanto possível deveriam ser tratados como
indivíduos separados recebendo tarefas individuais. Indivíduos isolados seriam
dirigidos por um jogo diferente de motivos que poderiam ser explorados pela
administração. Do ponto de vista de Taylor é fundamental prevenir o indivíduo
de ser contaminado por normas e padrões de grupo. A administração deveria
dividir a mão-de-obra e negociar com os trabalhadores sempre numa base
individual, em lugar de confiar em forças coletivas.
Um outro aspecto importante na
Administração Científica é a idéia de tarefa relacionada com a eficiência dos
trabalhadores. Quando os trabalhadores são diariamente exigidos a cumprir suas
tarefas e se lhes exige uma alta taxa de velocidade no cumprimento, também lhes
deveria ser assegurada uma alta taxa de remuneração sempre quando obtêm êxito.
Estes dois elementos, a tarefa e a gratificação, constituem dois dos elementos
mais importantes no mecanismo de administração científica proposto por Taylor.
Do seu ponto de vista, não
considera qualquer recompensa intrínseca potencial que poderia se originar do
próprio trabalho — por exemplo, ser prazeroso ou gratificante por si mesmo. O
único incentivo, que ele considera poderoso, é a ambição pessoal, que pode
aumentar o esforço físico despendido pelo trabalhador em troca de uma
gratificação material. A gratificação material assegurará que o esforço físico
estará à disposição novamente quantas vezes for necessário. Os trabalhadores,
do ponto de vista de Taylor, são vistos como partes individuais.
A divisão técnica do trabalho e seus reflexos na sociedade industrial
O período de industrialização
intenso que ocorreu nos últimos duzentos anos provocou profundas mudanças no
modo de vida das pessoas, no nosso modo de ver o mundo e no próprio
relacionamento interpessoal, chegando a se refletir nas relações entre os pais
e filhos.
As duas formas de divisão do
trabalho, tanto a social quanto a técnica, devem ser retomadas, agora incluindo
a prestação de serviços para compreendermos melhor os desdobramentos sociais da
divisão técnica do trabalho.
Como vimos, a divisão social do
trabalho parte de uma necessidade da sociedade, que deste modo está dividida em
diferentes ocupações, podendo estar diretamente ligadas à produção ou à
prestação de serviços. Por exemplo: médico, enfermeiro, sociólogo, professor,
advogado, engenheiro, padeiro, doceiro etc.
Já a divisão técnica do trabalho
subdivide uma mesma ocupação em parcelas passando este tipo de trabalho a ser
realizado por vários trabalhadores. Sua origem remonta à fase inicial do modo de
produção capitalista, à cooperação e à manufatura e foi aperfeiçoada pelos
estudos de Taylor no fim do século XIX. Ocorre que ao longo do século XX, em
particular, essa divisão técnica extravasou os trabalhos ditos produtivos e
atingiu também os trabalhos não-produtivos, como a prestação de serviços.
O processo de trabalho na
indústria foi reproduzido para toda a sociedade, a invenção do capital para
aumentar a produtividade na fábrica — a divisão pormenorizada do trabalho — foi
levada para outras atividades e influenciou decisivamente a condição humana no
século XX.
Acontece que, se do ponto de
vista do capital a divisão técnica do trabalho aumentava a destreza dos
procedimentos, melhorando a sua produtividade, para o ser humano considerado
como um todo, as consequências não podem ser positivas. Como afirma BRAVERMAN,
Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX.
3” ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1987, p. 72.
“enquanto a divisão social
do trabalho subdivide a sociedade, a divisão parcelada do trabalho subdivide o
homem, e enquanto a subdivisão da sociedade pode fortalecer o indivíduo, quando
efetuada com menosprezo das capacidades e necessidades humanas, é um crime
contra a pessoa humana e a humanidade”(1987,p.72)
A ocupação médica por exemplo
chegou a um nível de parcelamento tal que existe um número exagerado de
especialistas que vão do otorrinolaringologista, o oftalmologista, o
ginecologista, passando pelo dermatologista etc.
O mesmo ocorre em outras diversas
ocupações na área de prestação de serviços: sociólogo (rural, urbano, de
empresa), dentista (ortodontia, de prótese) etc. onde a especialidade —
entendida como parcelamento — tem levado a uma diminuição da compreensão do
todo profissional, desvirtuando os objetivos iniciais, particularmente das
ocupações ligadas à área de humanidades e saúde. Nesse contexto o homem, foco
central e objeto da ação, é visto unicamente como ocupante de um espaço-tempo
(humanidades) ou como um mero portador de componentes que devem estar em
perfeito estado (saúde), o indivíduo como um todo fica relegado ao
esquecimento, deixando de serem prioridades suas necessidades para melhorar
suas condições e qualidade de vida.
Cabe destacar ainda que a divisão
técnica das ocupações fora do âmbito do trabalho dito produtivo facilitou o
domínio do capital sobre a sociedade como um todo, assemelhando-se ao processo
ocorrido no ambiente fabril, pois a abordagem parcelada evita sempre a
compreensão do todo onde está inserida a ocupação.
No caso do exercício da
advocacia, especialização pura em direito comercial, evita a abordagem e
questionamento do direito como um todo no contexto da sociedade onde está
inserido. Desse ponto de vista, para um advogado especializado em direito
comercial, os direitos humanos passam a ser uma especialidade do direito e não
condição para a existência e inerente à própria ocupação.
Para o médico especialista em
dermatologia, pode não importar a origem de uma doença de pele, o fundamental é
que diminua ou elimine o problema. Nesse sentido a condição de trabalho que
pode ter provocado a doença ficará num plano secundário, como um problema a ser
resolvido pelo paciente ou por outro especialista (no caso, em saúde
ocupacional).
Para o dentista especialista em
prótese, o fundamental é a estética do trabalho executado, a dor que pode ter
sido originada pela sua ação é problema para outro especialista. A saúde do
indivíduo não é prioridade, o fundamental é que a parcela de trabalho que ele
devia executar o foi bem feita, a despeito do bem-estar geral.
Ao longo deste século essa
condição a que foi levada a sociedade facilitou o domínio político e social
exercido pelo capital, dada a condição de alienação a que foram relegadas as
ocupações levadas ao parcelamento exagerado. Sem condição de ver o todo, ou ao
menos compreendê-lo, aumentou a dependência dos indivíduos àqueles que possuem
essa condição e, conseqüentemente seu controle social. Desse modo, o controle
existente nas fábricas reproduziu-se nos hospitais, universidades, escolas e
nas diferentes instituições e organizações.
Como afirmara Marx,
“Todo o trabalho diretamente
social ou coletivo, executado em grande escala, exige, com maior ou menor
intensidade, uma direção que harmonize as atividades individuais e preencha as
funções gerais ligadas ao movimento de todo organismo reprodutivo, que difere
do movimento de seus órgãos isoladamente considerados. Um violinista isolado
comanda a si mesmo; uma orquestra exige um maestro. Essa função de dirigir, superintender
e mediar assume-a o capital, logo que o trabalho a ele subordinado se torna
cooperativo” (Marx, 1 989, pp. 3 79-80).
O sistema que foi imposto como
forma de controle social e de aumento da produtividade dotou tanto o trabalho
manual como o trabalho intelectual com características de rigidez que se por um
lado fez aumentar a produtividade do trabalhador, por outro o tornou
eternamente vinculado a sua especialidade. Devemos ressaltar que este aspecto
pode ser encontrado tanto nos ambientes fabris — onde o ocupante de cada
ocupação não consegue desempenhar outras funções — como na sociedade como um
todo, onde o médico oftalmologista não tem segurança para diagnosticar doenças
que não estejam vinculadas diretamente a sua especialidade. Essa rigidez ocupacional,
característica do século XX, e do ponto de vista taylorista, absolutamente
funcional, se contrapõe de certo modo ao novo tipo de trabalhador exigido pela
sociedade atual. ( Importante assinalar que o trabalhador versátil no é só um
generalista, ele pode ser flexível dentro de sua especialidade, que é consequência,
também, do aumento da informação e da tecnologia.)
A nova realidade do trabalho
O processo de reestruturação
produtiva que vem ocorrendo com as indústrias diminuindo o número de empregos
provoca por outro lado uma modificação dos postos de trabalho dentro das
empresas, ao ponto do título da posição pouco significar, sendo mais importante
a forma como o trabalhador contribui para criar valor para um produto ou
serviço.
Muitas organizações estão
cortando empregos. E os empregos que permanecem transformam-se, mudando a forma
de trabalhar dos empregados. A tradicional divisão do trabalho (técnica) em
atividades específicas está perdendo terreno para o trabalho baseado em equipes
e projetos.
Embora cada um tenha seu lugar
formal no organograma, na prática, de acordo com as circunstâncias, e de acordo
com as suas respectivas capacidades são convocados para uma tarefa determinada,
e quando esta termina, a equipe se dissolve. Os indivíduos mais tarde poderão
integrar outra equipe de trabalho para desenvolver outro projeto, e assim por
diante.
Por trás da transformação do
trabalho está a recomposição do trato com a informação. Quanto mais informação
tiver o trabalhador, mais possibilidades terá de vincular-se aos mais novos
diversos projetos propostos.
A eliminação dos postos de
trabalho nas empresas, por outro lado, traz outra realidade, a diminuição do
emprego, e ao mesmo tempo um aumento do número de postos de trabalho na
sociedade como um todo em outras áreas que não a fabril.
A rapidez em que ocorrem as
modificações tecnológicas neste início de século toma o trabalhador rígido
descartável para uma gama de atividades. As exigências são de um trabalhador
versátil, flexível e adaptável que consiga modificar rapidamente o desenvolvimento
de sua atividade, incorporando as novas tecnologias e adaptando-se a novos
ambientes ocupacionais. Um economista, por exemplo, tanto pode trabalhar
fisicamente numa empresa, como num escritório próprio ou mesmo na sua
residência, podendo inclusive continuar trabalhando na especialidade que
escolheu.
O Brasil se encontra ainda,
predominantemente, no estágio da indústria de base eletromecânica, passando
gradativamente para a indústria de base microeletrônica, podemos afirmar que
nos encontramos num estágio de transição para novas tecnologias. Os diversos
ramos da indústria nacional, por exemplo, embora incorporem aos poucos as novas
tecnologias, não abandonam a cultura organizacional sobre a qual estão
assentados.
Por termos tido uma
industrialização tardia, a estrutura organizacional da indústria nacional
tradicional está ainda baseada nos princípios tayloristas, predominando a
autoridade centralizada, as regras e os procedimentos rígidos, uma clara
separação entre o nível gerencial e o nível operacional (demarcando deste modo
a separação entre o planejamento e ação) acentuando a divisão técnica do
trabalho e uma rígida especialização profissional.
Com a chegada tardia da
racionalização taylorista, convivem com essa tentativa “científica”, de
relações tayloristas, o clientelismo e o populismo típicos de sociedades
pós-industriais.
Ocorre que com a abertura dos
mercados (a globalização) vem sendo colocado em xeque esse quadro, de certa
forma, institucionalizado do parque industrial nacional.
A organização burocrática e
mecânica, rígida, típica da atividade industrial vai sendo substituída por uma
nova forma pós-industrial. A nova organização que vai surgindo é dinâmica,
flexível, facilmente adaptável a novas situações e pressupõe que o indivíduo,
seja do nível operacional ou do quadro dirigente, assuma um papel decisivo,
intervindo nos processos.
O trabalhador tem o seu perfil
modificado completamente em relação ao perfil exigido no período industrial.
Agora o profissional tem que ser flexível, adaptável, com visão
multidisciplinar, com visão de todo o sistema, crítico, criativo, bem
informado, com domínio da informática e das tecnologias de informação. O
conhecimento passa a ser a matéria-prima fundamental, não apenas as habilidades
técnicas.
Essas mudanças que estão
ocorrendo nos postos de trabalho, nessa virada do milênio, são de ordem
predominantemente estrutural. Ou seja, ocorre um contínuo processo de renovação
tecnológica que provoca o aceleramento da extinção de determinados postos de
trabalho, reduzindo empregos na indústria. Ao mesmo tempo em que ocorre um
crescimento do setor de serviços.
Hoje em dia, no Brasil, setor de
serviços já responde por mais de 55% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e
emprega aproximadamente 60% da mão- de-obra urbana. Como termo de comparação,
os Estados Unidos, que são o país mais industrializado do mundo, têm 75% do seu
PIB gerado no setor de serviços.
O potencial de crescimento desse
setor é praticamente ilimitado, especialmente nas áreas de turismo, informática
e saúde.
O setor de turismo, por exemplo,
tem uma capacidade de multiplicação de empregos, superior ao da indústria. Cada
novo apartamento de hotel construído abre de oito a nove postos de trabalho
diretos e indiretos. (Gazeta Mercantil. “A criação de empregos virá dos
serviços”. p. A-2 de 15/07/98.)
Embora o segmento de serviços
possa ser uma resposta à crescente necessidade de empregos, deve-se observar
que ainda que esse setor crie novos postos de trabalho em quantidade
significativa, o emprego tradicional tal qual o conhecemos e que corresponde à
mão-de-obra contratada com carteira de trabalho é extremamente reduzido e
estimado em tomo de 25% do universo total de posições de trabalho criadas. (Idem)
Esta é uma nova realidade que
aponta o crescimento da informalidade que, ao contrário de se constituir numa
exceção, toma-se cada vez mais uma característica e condição da existência de
um número significativo de postos de trabalho.
O fato de se empregarem termos e expressões
semelhantes em períodos diferentes não significa que apresentem o mesmo
conteúdo. O fato de dizermos que o setor de serviços tende a predominar,
superando — como já acontece — os postos de trabalho na indústria não significa
que os serviços prestados vão apresentar as mesmas condições e características
do período anterior. Pelo fato de que aumenta a posse de conhecimentos, aumenta
o nível de exigência da sociedade como um todo, e volta-se cada vez mais a se
exigir qualidade e baixo custo. Qualidade significa na prestação de serviços um
bom atendimento que do ponto de vista sociológico revela uma modificação nas
relações interpessoais, onde a convivência social deve melhorar como reflexo
das relações que se tornarão predominantes nas relações econômicas.
Incrível a forma a qual o assunto foi abordado. A desenvoltura e a dispersão do conteúdo maravilhosamente bem escrita! Minha complacência agradece profundamente àquele que o escreveu!
ResponderExcluirNão posso agradecer o serviço do Sr. Benjamin o suficiente e dizer às pessoas o quanto sou grato por toda a assistência que você e sua equipe prestaram e estou ansioso para recomendar amigos e familiares caso eles precisem de conselhos financeiros ou assistência @ Taxa de 2% para Empréstimo Comercial. Via Contato : . 247officedept@gmail.com. WhatsApp...+ 19893943740. Continue com o grande trabalho.
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